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Entrevista do ano: Jorge Castanheda

Folha - O que deu errado na América Latina?
Jorge Castañeda - Primeiro, o fim do "boom" das commodities, que permitia que vários países gastassem muito dinheiro. Era sorte, e muitos esquerdistas foram eleitos.
Por que a esquerda ascendeu ao mesmo tempo na região?
Tem a ver com as promessas não cumpridas no período neoliberal [nos anos 90]. E a estabilidade financeira nos disse que as pessoas teriam uma vida um pouco mais confortável para assumir riscos. Com a consolidação da democracia onde há desigualdade, se as eleições são respeitadas, ao longo do tempo você terá partidos de esquerda vencendo por causa das características sociais.
O sr. escreveu no jornal "New York Times", "A Morte da Esquerda Latino-Americana"...
Não escolhi o título. Ninguém morre de perda de poder. Você volta, um dia.
Enquanto ela não volta, acha que está disposta a aprender com seus próprios erros?
Para o Brasil é diferente, pois as exportações de commodities são uma porcentagem muito menor do PIB. Mas para Bolívia, Venezuela, Equador... Se tivessem criado fundos para poupar dinheiro para os períodos em que os preços despencassem, seria mais fácil lidar com o momento atual. O Chile fez isso em 2008-09, mas não o fez na segunda vez. Por isso estão em apuros com a economia estagnada. Há uma lição a ser aprendida: você tem de poupar para os anos ruins.
No "New York Times", você diz que o continente não pode apostar numa economia diversificada. Temos de nos contentar com commodities?
O Brasil é diferente porque tem uma base industrial enorme. Mas outros países têm sonhado em diversificar suas exportações há 150 anos. Isso não aconteceu, e nem acho que vá acontecer.
Se você tem períodos de boom econômico como o da década passada, a tentação de continuar nessa inércia é forte, e as vantagens parecem compensadoras. Essa ideia de que, um dia, em vez de exportar cobre, o Chile vai exportar vinhos não vai acontecer. Eles têm ótimos vinhos, mas faria mais sentido se investissem na exportação de forma sábia, transparente.
Você diz que o caso brasileiro é diferente. Onde erramos?
A primeira coisa, e talvez a mais importante, é que os economistas disseram que vocês seriam um sucesso. Se os economistas dizem isso, você quase certamente será um fracasso. Os economistas sempre erram! A "Economist" é uma revista maravilhosa, mas nunca acerta.
Quando o Cristo Redentor estava decolando, e depois quando despencou no mar, as duas capas se equivaliam: ambas eram falsas.
O Brasil investia muito pouco. As taxas de investimento estavam em 17%, 18% do PIB, e o país não seria capaz de crescer como antes, criar a infraestrutura necessária, gerar o tipo de educação que precisa, nem investir mais.
Talvez porque os impostos fossem muito altos, e essa é a resposta neoliberal. Talvez porque as taxas de poupança fossem baixas. Em segundo lugar, [o presidente] Lula escolheu não mudar a Constituição atrás de um terceiro mandato. Mas optou por fazer o possível para garantir que o PT continuasse no poder. E começou a usar a economia para propósitos políticos.
Exemplo?
Após a vitória na primeira vez, Dilma ficou obcecada em se reeleger. Muito mais do que na era Lula, a economia foi muito administrada com viés político. E aí você tem a explosão de empréstimos do BNDES, a bolha de crédito do consumo, resultado de baixar os preços artificialmente, e um déficit que cresce aos poucos, sem perceber que o cenário internacional muda. E mudou dramaticamente.
O Brasil começou um processo de desindustrialização. Dilma não sabia o que fazer. Decidiu continuar gastando pela reeleição. Foi quando o Petrolão começou pra valer.
O que sobra para a esquerda? Depois do poder, elas não são mais a oposição de antes.
O balanço geral, exceto na Venezuela e na Argentina, é positivo. O Brasil hoje parece desastroso, mas há cinco anos parecia maravilhoso. Muito do que o PT fez, sobretudo com Lula, é uma história de sucesso. O Chile também.
Ainda assim há lições a aprender. A primeira é poupar dinheiro. A segunda é a questão da corrupção, algo que a esquerda negligenciou.
Pareciam acreditar que a corrupção era algo totalmente alheia a ela. A esquerda não seria corrompida porque era pobre, era honesta porque veio do povo, e o povo é honesto. Era transparente porque veio de lutas contra a ditadura, e ditaduras são o contrário disso.
A esquerda acreditou que corrupção não era com ela, era um problema para as elites latino-americanas. Não é verdade. Corrupção é algo tão enraizado no continente que todos somos vulneráveis.
O Brasil tem visto confrontos entre grupos pró e contra o governo. Pode piorar?
O Brasil não é a Venezuela, tem instituições fortes. Talvez alguns conflitos locais, mas não acho que a crise política será resolvida nas ruas, e sim no Congresso ou nas cortes. A vitalidade do Judiciário, por exemplo, é satisfatória, ainda que em certas ocasiões haja excessos, alguns juízes talvez desejosos de manchetes.
Você se refere a Sergio Moro?
Digamos "alguns juízes".
Como vê a crítica de que a elite quer punir corruptos, mas na verdade tem preconceito contra líderes de origem popular?
O único presidente [da região] hoje na cadeia por corrupção é Otto Pérez Molina, da Guatemala, ex-general muito querido pelas oligarquias locais. Michelle Bachelet, no Chile, está tendo problemas. E fala inglês como uma americana, é loira, tem sobrenome francês e é doutora. O México tem um governo de direita que é um dos mais impopulares da história, por causa de corrupção. Não é uma questão de as elites não gostarem do que é diferente.
Movimentos de esquerda dizem que não há tanta gente protestando contra outros políticos envolvidos em escândalos, inclusive alguns que defendem o impeachment.
O PT está no poder num país bem presidencialista, por 14 anos. Não pode esperar não receber a culpa pela corrupção. As pessoas identificam a corrupção com o governo federal e o Congresso.
O que esperar se governos à direita voltarem a ser maioria?
Da mesma forma que não houve rupturas tremendas com políticas neoliberais sob o governo Lula, ou no Chile e no Peru, não acho que haverá um grande distanciamento de políticas bem-sucedidas da esquerda. Acho que o Bolsa Família continuará. Até na Venezuela, algumas das coisas que Hugo Chávez fez continuarão quando [Nicolás] Maduro sair. Com [Mauricio] Macri, na Argentina, não há um abandono de tudo o que os Kirchner fizeram.
A ascensão de Donald Trump, um radical antiestablishment, pode influenciar a região?
Com o enorme descrédito de partidos e elites políticas hoje, você verá algumas figuras ascenderem à moda Trump. Será mais uma reação visceral contra uma elite política vista como corrupta e incompetente, mas não creio que as levará à vitória em lugar algum.
Acha que Lula pode ser preso?
Espero que não, sempre o admirei. Seria uma tragédia se fosse condenado por corrupção. Não sei se é o caso. Confio no Judiciário do Brasil.
Se Dilma cair, é golpe?
O golpe ocorre à margem da lei, de forma violenta. Se Dilma sofrer impeachment, é porque o Congresso votou contra ela. Será perfeitamente legal. O que ela precisa decidir é se quer lutar ou se resignar. O PMDB se decidiu?
Sinalizam que vão sair do governo [a entrevista ocorreu na véspera do anúncio].
Então é o fim. Acabou.

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