Pular para o conteúdo principal

Entrevista com Wendy Guerra

 

Livraria da Folha: No capítulo "Merci, Moscou", de "Nunca Fui Primeira-Dama", a protagonista Nadia diz: "Eu sou Nadia. Vou procurar mamãe. Eu sou ninguém, nada, Nadia, e preciso saber quem é minha outra parte". Nadia também significa "esperança", em russo. Você utilizou os dois significados como complementares na escolha do nome da personagem?
Wendy Guerra: Nadia, na verdade, é a mulher de Lênin [líder soviético, (1870-1924)]. Nadia significa "esperança" e é um jogo sobre a infância e sobre a intervenção russa dentro de Cuba. Em uma palestra sobre suicídio, perguntaram se eu me importaria de morrer. Como pessoa sim, não como personagem. Diria que, há vezes em que penso ser pessoa, há vezes em que penso ser personagem, por isso a pessoa se chama Nadia, e a personagem, Guerra. O personagem se chama Nadia Guerra para jogar com esses nomes.

Livraria da Folha: Falando em suicídio, teve algum personagem do primeiro romance ["Todos se Van"] que voltou nesse segundo ["Nunca Fui Primeira-Dama"] ou nos seus livros de poemas? Quando você encerra uma obra, inicia um novo ciclo de criação de personagens ou renasce os anteriores?
Guerra: Vou ser muito sincera. Meus personagens não voltam, não são os mesmos que voltam, voltam outros, com a pele dos mesmos. Quando voltam, é muito difícil de acomodá-los. Minha grande esperança, "nadia" [risos], é que possam voltar e se integrar em outras esferas, nos livros e na vida.

Livraria da Folha: Sua resistência lexical ultrapassa sua resistência política?
Guerra: Eu sou muito disléxica, mas não disléxica biologicamente. Sou disléxica musicalmente. As palavras como "hiedra" ["hera"], "piedra" ["pedra"], que não têm o mesmo significado semanticamente, mas têm sensorialmente. Gosto de trabalhar com isso, porque sinto que envolvo o leitor no jogo das palavras. O problema é a tradução. Se não tem uma boa tradução, é um desastre. Como tem acontecido, já que publiquei em outras línguas.

Livraria da Folha: Em qual língua ocorreu um "desastre" na tradução?
Guerra: Na França, tem uma grande tradutora, mas aconteceu algo muito simpático. Falávamos em "árvores nucleares", uma grande loucura, e os franceses tomaram como uma grande metáfora.

Livraria da Folha: Você percebeu algum tipo de censura no Brasil?
Guerra: Não. Eu pensava que o Brasil era sexualmente mais aberto. Quando o Jô Soares mostrou minha foto [no programa] sem roupa na televisão, os brasileiros [da plateia] gritaram. Eu pensava que no Brasil as pessoas andavam nuas pelas ruas [risos]. O Brasil tem muito pudor, um assombroso pudor.

Livraria da Folha: Cuba é seu museu pessoal?
Guerra: Sim, meu museu de arte efêmera, contemporânea, em movimento. Um registro de intervenção pública, vivo. Não um museu somente de dor e de passado. Para mim, é um museu em movimento.

Livraria da Folha: O que você leu ou está lendo da literatura brasileira?
Guerra: Carola Saavedra me interessa ler, porque escreve muito bem e se vê que é bem estruturada. Gosto de ler uma literatura que é maior do que eu, na estrutura, porque a minha não tem nenhuma estrutura. É muita articulação [risos]. Nélida Piñon me conta como se formou a nação por meio das migrações. É uma amiga, uma mulher muito voraz com a vida. Na Espanha, a adoram. Admiro muito o trabalho de Chico Buarque. É um autor contemporâneo, que lida com os estilos e os registros de vozes. João Paulo Cuenca tem uma voz tremenda e uma humildade tremenda. Jorge Amado (1912-2001), na minha adolescência, me apresentou uma música, uma cadência. Eu digo que dos músicos brasileiros, Vinicius de Moraes é o melhor poeta.

Livraria da Folha: E da estrangeira?
Guerra: Sou filha da literatura feminina francesa dos anos 1960. Sou muito retrô. Gosto também da literatura japonesa --Yukio Mishima (1925-1970), Banana Yoshimoto e de haicais-- e da escritora argentina Alejandra Pizarnik (1936-1972), que recomendo aos brasileiros que não a conhecem, que a leiam. Gosto de autores que não são autores e chegam na literatura e desbancam os outros.

Comentários

Postagens Mais Lidas

literatura Canadense

Em seus primórdios, a literatura canadense, em inglês e em francês, buscou narrar a luta dos colonizadores em uma região inóspita. Ao longo do século XX, a industrialização do país e a evolução da sociedade canadense levaram ao aparecimento de uma literatura mais ligada às grandes correntes internacionais. Literatura em língua inglesa. As primeiras obras literárias produzidas no Canadá foram os relatos de exploradores, viajantes e oficiais britânicos, que registravam em cartas, diários e documentos suas impressões sobre as terras da região da Nova Escócia. Frances Brooke, esposa de um capelão, escreveu o primeiro romance em inglês cuja ação transcorre no Canadá, History of Emily Montague (1769). As difíceis condições de vida e a decepção dos colonizadores com um ambiente inóspito, frio e selvagem foram descritas por Susanna Strickland Moodie em Roughing It in the Bush (1852; Dura vida no mato). John Richardson combinou história e romance de aventura em Wacousta (1832), inspirada na re

Papel de Parede 4K

Chave de Ativação do Nero 8

1K22-0867-0795-66M4-5754-6929-64KM 4C01-K0A2-98M1-25M9-KC67-E276-63K5 EC06-206A-99K5-2527-940M-3227-K7XK 9C00-E0A2-98K1-294K-06XC-MX2C-X988 4C04-5032-9953-2A16-09E3-KC8M-5C80 EC05-E087-9964-2703-05E2-88XA-51EE Elas devem ser inseridas da seguinte maneira: 1 Abra o control center (Inicial/Programas/Nero 8/Nero Toolkit/Nero controlcenter) nunca deixe ele atualizar nada!  2 Clic em: Licença  3 Clica na licença que já esta lá dentro e em remover  4 Clica em adcionar  5 Copie e cole a primeira licença que postei acima e repita com as outras 5

Como funciona o pensamento conceitual

O pensamento conceitual ou lógico opera de maneira diferente e mesmo oposta à do pensamento mítico. A primeira e fundamental diferença está no fato de que enquanto o pensamento mítico opera por bricolage (associação dos fragmentos heterogêneos), o pensamento conceitual opera por método (procedimento lógico para a articulação racional entre elementos homogêneos). Dessa diferença resultam outras: • um conceito ou uma idéia não é uma imagem nem um símbolo, mas uma descrição e uma explicação da essência ou natureza própria de um ser, referindo-se a esse ser e somente a ele; • um conceito ou uma idéia não são substitutos para as coisas, mas a compreensão intelectual delas; • um conceito ou uma idéia não são formas de participação ou de relação de nosso espírito em outra realidade, mas são resultado de uma análise ou de uma síntese dos dados da realidade ou do próprio pensamento; • um juízo e um raciocínio não permanecem no nível da experiência, nem organizam a experiência nela mesma, mas, p

Wallpaper 4K (3000x2000)

Inteligência & Linguagem

Não somos dotados apenas de inteligência prática ou instrumental, mas também de inteligência teórica e abstrata. Pensamos. O exercício da inteligência como pensamento é inseparável da linguagem, como já vimos, pois a linguagem é o que nos permite estabelecer relações, concebê-las e compreendê-las. Graças às significações escada e rede, a criança pode pensar nesses objetos e fabricá-los. A linguagem articula percepções e memórias, percepções e imaginações, oferecendo ao pensamento um fluxo temporal que conserva e interliga as idéias. O psicólogo Piaget, estudando a gênese da inteligência nas crianças, mostrou como a aquisição da linguagem e a do pensamento caminham juntas. Assim, por exemplo, uma criança de quatro anos ainda não é capaz de pensar relações reversíveis ou recíprocas porque não domina a linguagem desse tipo de relações. Se se perguntar a ela: "Você tem um irmão?", ela responderá: "Sim". Se continuarmos a perguntar: "Quem é o seu irmão?", ela r