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Teoria do humor

INTRODUÇÃO

Teoria do humor, visão das definições elaboradas para compreender os traços e explicar a inclinação humana pelo cômico. O termo humor pode ser considerado no sentido amplo ou no estrito. No sentido amplo é aplicado à literatura, palavra ou texto informal cujo objetivo é divertir ou causar riso. No sentido estrito, o humor é diferente da wit ou esprit, da sátira e da farsa. É menos intelectual e mais imaginativo que o wit, tipo de texto mordaz e ácido que se preocupa mais com a personagem e a situação do que com o jogo de palavras e idéias. Também é menos cruel que a sátira e mais sutil que a farsa. O humor penetra na ilusão e na imaginação, explorando as possibilidades de situações improváveis e de combinações de idéias, mas difere delas por estar preocupado somente com os aspectos cômicos destas situações imaginárias.

É muito difícil dizer o que as situações de humor têm em comum. As três principais teorias do humor teoria da superioridade, teoria da incoerência e teoria do alívio tentam esclarecer esta dúvida. Uma quarta teoria defende que o aspecto central do humor é a ambivalência, uma mistura de atração e repulsão.

TEORIAS DA SUPERIORIDADE

Freqüentemente o riso é provocado pelas pessoas que apresentam algum defeito, se encontram em posição de desvantagem ou sofrem algum pequeno acidente. O sovina, o glutão e o bêbado são personagens cômicos, do mesmo modo que a pessoa que recebe uma torta na cara. Os erros também provocam o riso: disparates de estudantes, pronúncia incorreta e erros gramaticais. Estes são exemplos bastante óbvios, mas é possível que o humor sutil seja um mero desenvolvimento disso e que o prazer implícito no humor nasça na sensação de superioridade sobre as pessoas que fazem rir. De acordo com essa visão, todo humor é uma forma do escárnio.

Thomas Hobbes (1588-1679) é, provavelmente, o criador desta teoria. "O riso é um tipo de glória repentina", diz ele, utilizando a palavra glória como sinônimo de vaidade ou auto-estima. Ele acrescenta, ainda, que o riso nasce frente aos acidentes e enfermidades dos outros, às próprias loucuras passadas desde que haja consciência de tê-las superado e aos próprios sucessos inesperados.

A crítica à fórmula de Hobbes é sua pouca amplitude, já que não cobre todos os tipos de humor. Ela não se aplica ao jogo de palavras, como as jitanjáforas, ou ao nonsense, estilo visível em autores como Edward Lear e Lewis Carroll. Sem dúvida, as reações mais comuns são de superioridade frente a Malvolio e de carinhosa condescendência em relação a Don Quixote ou Mr. Pickwick, mas em relação a Falstaff é de admiração secreta e inveja.

As teorias da superioridade parecem excluir um elemento muito importante do humor: a incoerência. No jogo verbal da seguinte quadrinha: “Eu sou pequenininha, do tamanho de um botão,/ Trago papá no bolso e um ‘mamão’ no coração”, o riso não surge por ela conter um erro. Surge porque há um contraste entre papai e mamãe e “papá” e “mamão”, ou seja, palavras com associações emocionais e sentidos completamente diferentes. Além do mais, os pais pertencem a um código de referência e a comida a outro. A interseção entre os dois códigos é o que causa o riso.

Os seguidores de Hobbes tentaram responder às críticas, alegando que, até quando o riso é provocado por cenas em que se representa o vício, o deboche e a libertinagem, talvez seja pela sensação de superioridade com relação à moralidade convencional que está sendo escarnecida. Isto se aplica às piadas de apelo moral e, talvez, ao nonsense, pois a necessidade convencional de agir e falar sempre respeitando a lógica — “essa estrita, incansável e problemática governanta, a razão”, nas palavras de Schopenhauer está sendo atacada.

Argumentando com essas bases, Alexander Bain (1818-1903) declarou que todo humor envolve a degradação de alguma coisa. De acordo com ele, não é preciso ter consciência plena da suposta superioridade. O riso pode provir, por exemplo, da simpatia por alguém que derrotou um adversário. Em segundo lugar, não é necessário que uma pessoa seja ridicularizada. Uma idéia, instituição política ou qualquer coisa que exija dignidade e respeito também pode ser exposta ao ridículo. Até o nascer do Sol pode ser motivo de zombaria, como fez Samuel Butler quando comparou, em Hudibras, o alvorecer a uma “lagosta fervida".

De acordo com qualquer teoria da superioridade no humor, aquele que ri sempre vê o objeto do riso de cima e, por algum padrão, julga este objeto inferior. Isto possibilita a existência de uma grande variedade de teorias da superioridade. Henri Bergson deu a mais famosa aplicação da teoria da superioridade. O ideal de Bergson é a elasticidade, a adaptabilidade, o élan vital. Portanto, o cômico para ele é "algo mecânico encrostado sobre os seres vivos". O personagem cômico típico, diz ele, é alguém com uma obsessão, ou idéia fixa, como Don Quixote, ou o avaro de Molière. O personagem não é flexível o suficiente para adaptar-se às necessidades complexas e mutáveis da realidade. Como um exemplo típico da rigidez cômica, Bergson cita a história dos oficiais da alfândega que dirigiram-se bravamente ao salvamento da tripulação de um navio que afundava. A primeira coisa que os oficiais disseram quando os marinheiros chegaram em terra firme foi: "Têm algo a declarar?” Aqui, de acordo com Bergson, se dá a persistência cega e automática de um hábito profissional em mente, independente das circunstâncias.

O riso é, de acordo com Bergson, a defesa da sociedade contra os excêntricos que se recusam a ajustar-se às suas necessidades. Ele não considera a possibilidade do humor ser direcionado ao código social em si (como em Swift ou Shaw). Esta omissão poderia alterar a sua teoria, pois o próprio código correria o risco de ser considerado rígido e fora da realidade.

TEORIAS DA INCOERÊNCIA

Muitos escritores de humor recusaram-se a aceitar a visão de que a incoerência consista na degradação de algo em contraste com o trivial ou indecoroso. Estes autores alegam não só que é diferente da degradação e insistem que a incoerência, não a degradação, é o aspecto central de todo humor.

A incoerência é identificada, freqüentemente, com uma "expectativa frustrada", um conceito que procede de Immanuel Kant (1724-1804). Kant alegava que o humor surge da "transformação repentina de uma grande expectativa para o nada". Isso envolve a sugestão de que o humor consiste na dissolução violenta de uma atitude emocional.

Nesta visão, o essencial para o humor é a mistura de duas idéias que são, conforme o que se sente, disparatadas. Uma ou outra poderá ser, incidentalmente, degradada no processo. A qualidade da piada dependerá de duas coisas: o grau de contraste entre os dois elementos e a fusão destes elementos. Um trocadilho é a forma mais fraca de piada porque a conexão entre os dois elementos é puramente verbal. O humor é mais penetrante quando traz à luz uma conexão entre duas coisas que são apoiadas por idéias bastante diferentes. Ou quando força no indivíduo uma reversão completa dos valores. A frase de Oscar Wilde, "O trabalho é a maldição da classe bêbada" é cômica não somente pela proximidade da frase convencional que ela substitui mas, também, porque apresenta uma avaliação igualmente apropriada e diferente, do fato social ao qual se refere.

Arthur Schopenhauer disse que todo humor pode ser "traduzido em um silogismo na primeira figura com um aspecto elevado inquestionável e um aspecto inferior inesperado que, até um certo ponto, só é válido como sofisma". Esta fórmula complicada pode ser ilustrada por um trecho do diálogo da peça de Shaw, Getting Married, na qual um bispo diz que "não pode, como um bispo britânico, falar diretamente da poligamia", porque a grande maioria das pessoas no império britânico são polígamas. Isso pode ser encarado como o seguinte silogismo: todas as instituições britânicas devem ser respeitadas (primeira premissa). A poligamia é uma instituição britânica (segunda premissa). Portanto, a poligamia deve ser respeitada (conclusão). Aqui, o aspecto superior era, para a audiência de Shaw em 1908, indiscutível. A segunda premissa é inesperada e só vale pelo sofisma.

Schopenhauer parece considerar somente o aspecto intelectual do humor. Para ele, o humor depende do prazer de encontrar conexões inesperadas entre as idéias, o que difere do esforço intelectual sério porque a conexão, sendo um sofisma, não pode ser encarada seriamente. Isto significa ignorar o elemento emocional no humor: a distância da qual depende a força de dissolução de uma atitude ou da reversão de valores. A passagem de Shaw citada, por exemplo, pode ter impacto somente em uma audiência que esteja imbuída da atitude popular em relação ao imperialismo que existia na Inglaterra na época em que o dramaturgo vivia.

Herbert Spencer pensava que todo humor pode ser explicado como uma "incoerência descendente". O adjetivo “descendente” inclui um julgamento de valores. Spencer concordava com Bain quando este afirmava que a incoerência sempre envolve um contraste entre algo exaltado e algo trivial ou obsceno. Mas alegava que o fator importante é a incoerência e não a degradação. Spencer respondeu a uma questão que foi esquecida por muito tempo. “Por que”, perguntou ele, “a percepção da incoerência deveria levar ao riso?” Sua resposta é que o riso é uma expansão de energia nervosa, uma transição rápida entre um pensamento solene e outro trivial. O que deixa um estoque de energia nervosa que necessita ser gasto na forma de riso.

De acordo com as teorias da incoerência, pode-se dizer que o humor consiste no encontro do inadequado dentro do apropriado. Não são encontradas somente conexões inesperadas entre aspectos aparentemente sem similaridade: a noção humana do decoroso também está envolvida. Em qualquer comunidade, certas atitudes parecem ser mais apropriadas para certas coisas, mas não para outras. Assim, desenvolvem-se, entre outros, o estereótipo de pessoas como o político típico, o poeta, a tia da menina e o americano cem por cento. O humorista traz à luz os fatos inconvenientes que revelam essas atitudes e penetram nos estereótipos. Fielding, por exemplo, em sua novela Jonathan Wild, retrata as façanhas de um ladrão de estradas em termos normalmente reservados para os heróis militares. Ele demonstra que as descrições apropriadas para aquele homem também podem ser apropriadas para os outros. Neste caso, o efeito é provocar dúvidas sobre o sistema de valores convencionais. Mas, às vezes, como apontou Bergson, o humor pode ir contra a pessoa que não é capaz de viver de acordo com as necessidades convencionais. Conseqüentemente, o humor pode ser às vezes radical e às vezes conservador. É comum que a intenção do efeito não fique clara. Por exemplo, a sagacidade de Wilde, citada acima, pode ser interpretada como um ataque às classes trabalhadoras ou como um questionamento das atitudes convencionais vitorianas de trabalhar e beber.

TEORIAS DO ALÍVIO

Como o humor questiona as exigências sociais convencionais, ele pode ser encarado como um fornecedor de alívio da restrição que impõem as exigências. O alívio pode ser apenas temporário: uma história obscena, por exemplo, geralmente não é um desafio sério à moralidade convencional. Mas permite dar asas aos impulsos sexuais que a sociedade reprime. Além disto, as pessoas que passam por tensões podem dar gargalhadas se, repentinamente, a tensão for removida. Na teoria do alívio supõe-se que o elemento central do humor não seja uma sensação de superioridade ou o conhecimento de incongruências mas, sim, o sentimento de alívio provocado pela remoção de barreiras.

Esta teoria foi reforçada pelas descobertas psicanalíticas (ver Psicanálise) de Sigmund Freud. Freud considera o humor uma forma de enganar a “censura”, nome que aplicou para as inibições internas que impedem de dar forma aos impulsos naturais. Segundo Freud, não somente os impulsos sexuais são reprimidos pela censura, mas também os impulsos maliciosos. Desta forma, Freud é capaz de justificar não somente as piadas sobre moral e a popularidade de personagens cômicos como Falstaff, que ignora as limitações morais, mas também o elemento da malícia no humor, para o qual as teorias da superioridade chamam a atenção.

De acordo com Freud, a censura permite explorar estes pensamentos proibidos somente se for enganada ou desarmada. A distração é realizada através de técnicas de humor: recursos como trocadilhos, a representação pelo oposto, e outros. Um insulto, por exemplo, será engraçado se parecer inicialmente um elogio. Para citar um outro exemplo, a sagacidade de Wilde deve ser encarada, nesta perspectiva, como uma forma de liberar o desejo de trabalhar e beber, ou alternativamente, de liberar a malícia contra as classes trabalhadoras. A censura é surpreendida porque parece ser apenas repetido um comentário convencional que, então, é desviado pela descoberta de que uma recompensa ao comentário nos permite expressar sentimentos diferentes. Freud encontrou várias semelhanças entre as técnicas de humor e a forma com que os pensamentos são distorcidos nos sonhos. Isso o permitiu ligar a teoria do humor com sua teoria de interpretação dos sonhos: os sonhos são também uma forma de enganar a censura.

O prazer intelectual de jogar com as idéias e palavras, de encontrar conexões inesperadas, encarado pela teoria da incoerência como elemento essencial do humor, tem, portanto, lugar nas teorias de Freud como uma maneira de enganar a censura. Como a censura é distraída, e não meramente enganada, pressupõe-se que tais mecanismos sejam uma fonte de prazer em si mesmos. Freud explica isso adotando a descrição fisiológica do riso feita por Spencer (ver Fisiologia). O prazer resulta, de acordo com ele, na economia de energia nervosa. Entretanto, ele não considera o apelo intrínseco destes mecanismos cômicos suficiente para explicar o humor: eles seriam inúteis se não pudessem liberar os desejos reprimidos.

CONCLUSÕES

Cada uma dessas teorias explica alguns tipos de humor. Mas nenhuma delas explica, satisfatoriamente, todos os tipos de humor. A teoria da superioridade descreve muito bem o riso em caso de pequenos acidentes e o apelo à sátira, mas é menos feliz ao explicar o jogo de palavras, a incoerência, o nonsense e os apelos à obscenidade e as piadas sobre a moral. A teoria da incoerência, por sua vez, é forte onde a teoria da superioridade é mais fraca. A teoria do alívio explica como o riso surge das distorções morais, da malícia e do nonsense — considerados alívios da “governanta razão” — mas é forçada a conceder a existência de um apelo intrínseco na incoerência e no jogo de palavras, situações muito diferentes da sensação de alívio das repressões. Cada tipo de teoria esclarece, entretanto, algum aspecto do humor.



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