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MEDICINA ALTERNATIVA - FINAL

Efeito placebo

Tradicionalmente, o jeito que a medicina ortodoxa arrumou para aprovar ou reprovar um tratamento é um teste muito engenhoso chamado "contraplacebo". Funciona assim: um médico arruma uma porção de voluntários. Essas cobaias são então divididas em dois grupos. Um dos grupos é tratado com o remédio ou o tratamento que se quer testar. O outro recebe apenas placebo. Placebo, como já foi dito, é um remédio "falso", sem princípio ativo. Por exemplo, uma cápsula que contenha farinha. Os testes mais confiáveis, além de serem "contraplacebo", são "duplo-cego". Ou seja, não é só o paciente que não sabe qual remédio é o de verdade e qual é o placebo. Os médicos que dão o remédio também não sabem. Tudo para diminuir qualquer influência externa. Só o remédio tem que agir.

Tudo muito bem bolado, muito inteligente. Mas a ciência não contava com uma coisa: e se o placebo não for totalmente inócuo? E se a pílula de farinha curar também? Pois é. Parece que é isso que acontece. "Não temos a menor dúvida de que placebo funciona, em média, em 30% dos casos", escreve Herbert Benson em seu livro Medicina Espiritual. Benson é presidente do Mind/Body Institute, um centro de pesquisa americano focado nas relações entre o corpo e a mente - justamente aquilo que Descartes não previa. Talvez a porcentagem não seja exatamente essa, mas ninguém duvida que o placebo funciona, pelo menos às vezes.

Um exemplo surpreendente foi uma pesquisa realizada pelo cirurgião ortopedista americano Bruce Moseley. O médico testou a eficiência de uma cirurgia para curar artrite no joelho, que consiste em raspar áreas danificadas da cartilagem. No estudo, cinco pacientes foram operados propriamente e cinco receberam aplicações de agulhas em lugares aleatórios. Quatro dos pacientes que passaram pelo tratamento placebo tiveram redução de dor e inchaço e melhoria nos movimentos do joelho.

O placebo pode funcionar a ponto de causar até incômodos. "Sonolência, dor de cabeça, náusea, nervosismo, insônia e prisão de ventre estão entre os efeitos colaterais mais comuns do tratamento com placebo", diz Benson. Há até um termo para denominar os efeitos colaterais de placebos: nocebo. Benson acredita que a razão para ele é o fato de os participantes de pesquisas serem obrigados a ler um documento de aprovação em que esses possíveis efeitos colaterais estão listados.

O efeito placebo põe em cheque a pretensão de objetividade proposta pela ciência ocidental. Se o próprio placebo cura, então toda a teoria por trás dos testes duplo-cego/contraplacebo muda de perspectiva. Veja por exemplo o caso da homeopatia. Embora várias teorias tenham surgido nos últimos tempos, ninguém ainda entende qual é o processo de cura dessa terapia. A homeopatia é baseada em dois princípios. O primeiro é a "lei dos semelhantes" e diz que uma substância que causa determinado sintoma num paciente saudável pode curar esses mesmos sintomas se ingerida em doses muito pequenas. Assim, como a ferroada de abelha causa dor e inchaço, os homeopatas recomendam um preparado feito a partir do veneno da abelha contra vários tipos de dor e inchaço. O segundo princípio diz que quanto mais diluída a substância, mais potente o remédio. Essa é a chamada "lei das infinitesimais".

Depois de séculos de pesquisas, esses princípios fazem cada vez menos sentido à luz do que a ciência sabe. A maioria dos cientistas acha que eles são grandes bobagens. Ainda assim, muita gente se cura com homeopatia, por menos que ela faça sentido. Por que será?

Talvez seja apenas um caso clássico de placebo bem-sucedido. Talvez muito do sucesso de várias terapias alternativas se deva ao fato de que a relação com o terapeuta crie condições favoráveis para que o placebo funcione - ao motivar o paciente, dar a ele esperança e inspirar simpatia e confiança. O placebo tem uma característica interessante: só obtém resultados quem acredita no tratamento. Será milagre, então? Não necessariamente. É plausível que essa postura positiva tenha ação sobre o sistema imunológico e favoreça a cura. Um cético como o cientista Romke Bron, que disse ao jornal inglês The Daily Telegraph que "se alguém entrasse em uma farmácia homeopática durante a noite e trocasse as etiquetas dos frascos ninguém notaria", tem bem menos chances de se curar com esse tipo de remédio.

Ou seja, é importante sim conhecer os princípios de cada tipo de tratamento e saber evitar os charlatões. Mas talvez seja igualmente importante conseguir acreditar no seu terapeuta. Nesse sentido, mil pesquisas provando isso ou aquilo não substituem uma coisa: a confiança que você tem no seu médico, seja ele ortodoxo ou alternativo.

Sentir-se bem

Sair por aí dizendo que a medicina convencional está completamente equivocada e não serve para nada é perda de tempo e demonstração de ignorância. O escritor de ciência americano Stephen Jay Gould, morto em 2002, tinha uma sugestão para aqueles que acham que a medicina é inútil: que eles visitem algum cemitério antigo e reparem na quantidade de lápides pequenas, uma ao lado da outra. É inegável que a mortalidade infantil despencou com o avanço da ciência e que ela é muito menor nas regiões onde há melhores cuidados médicos. Ninguém em sã consciência pode negar os avanços trazidos pelos antibióticos, ou pelas vacinas, por mais imperfeitos que tanto uns quanto as outras sejam. É óbvio que a medicina derrotou doenças e espalhou saúde basta saber ler estatísticas para perceber isso.

Mas também é inegável que nem todo mundo se dá por satisfeito com o que a medicina oferece. Desde que o mundo é mundo, as pessoas vão aos "médicos" (curandeiros, pajés, xamãs...) para falar de suas ansiedades, suas dores e obter algum conforto nem sempre a cura. Essas coisas ajudam o sujeito a sentir-se bem. "E ninguém discorda do fato de que se sentir bem é bom para a saúde", diz Bron, aquele mesmo que acha que não há problema algum em trocar os rótulos dos remédios homeopáticos. Talvez tenha sido esse justamente o ponto em que a medicina ortodoxa errou mais longe. Ou alguém aí acha os hospitais agradáveis? A ciência tem pela frente uma dupla tarefa das mais duras. Por um lado, há que se entender os reais méritos das terapias alternativas, para que elas deixem de fazer falsas promessas. Por outro, ela precisa corrigir seu rumo e retomar o ideal de Hipócrates. E, nesse ponto, talvez algumas técnicas alternativas possam servir de inspiração.

Cada uma é uma

Colocar no mesmo barco todas as técnicas ditas "alternativas" é um grande erro. Algumas delas são amplamente reconhecidas, sobre outras há quase certeza da ineficácia. Conheça as mais famosas e saiba o que a ciência pensa delas

Acupuntura

O que é - Uma das técnicas da medicina tradicional chinesa, a acupuntura consiste na aplicação de agulhas em pontos específicos do corpo. Sua base filosófica indica que esses pontos afetam os diferentes órgãos e estão localizados sobre canais de energia (chamados meridianos) que se espalham pelo corpo

O que a ciência acha - Sabe-se que os pontos têm relação com o sistema nervoso - e o sistema nervoso influencia todo o corpo. Mas cientista nenhum encontrou os tais canais de energia. A técnica não costuma oferecer resultados a curto prazo, mas revelou-se eficiente contra efeitos colaterais de remédios, enjôos, doenças respiratórias, dores e problemas de pressão

Aromaterapia

O que é - Utiliza óleos essenciais de folhas, flores ou madeira para amenizar sintomas e melhorar o bem-estar. Os óleos podem ser inalados, queimados ou espalhados pelo corpo

O que a ciência acha - A idéia de que cheiros agradáveis podem liberar hormônios que causam bem-estar até faz sentido para a ciência e alguns estudos mostram um leve efeito calmante da terapia. Daí a acreditar que eles curem doenças, porém, há uma distância

Cromoterapia

O que é - Baseia-se na idéia de que cores têm efeito curativo abrangente. Os tratamentos envolvem alimentação, modo de se vestir, relação com o ambiente, além da visualização de cores para efeito terapêutico

O que a ciência acha - Não há qualquer evidência de eficácia. De forma alguma deve substituir o tratamento convencional. Mas a cromoterapia pode trazer bem-estar e bem-estar é bom para a saúde

Florais

O que é - São essências florais diluídas em conhaque. Os mais conhecidos, os florais de Bach, foram preparados pelo médico inglês Edward Bach, ao final do século 19, e são indicados de acordo com a personalidade de cada paciente, prometendo curar diversas doenças

O que a ciência acha - No máximo, pelo que se sabe, funcionam tão bem quanto o placebo. Não podem substituir o uso de medicamentos ortodoxos. Podem representar uma fonte de bem-estar, mas é perigoso acreditar que eles façam o que prometem fazer: curar doenças

Fitoterapia

O que é - Consiste na manipulação de plantas e ervas para a cura de doenças e redução dos sintomas. Prega que as plantas devem ser consumidas integralmente e não combinadas a substâncias químicas que realçam o efeito do princípio ativo, como na medicina ortodoxa

O que a ciência acha - A idéia de que plantas curem faz todo sentido. Praticamente todos os remédios da medicina ortodoxa têm seus princípios ativos retirados de plantas ou de outros seres vivos. E é realmente saudável procurar por substâncias benéficas, em pequenas doses, na alimentação - o que ajuda a evitar efeitos colaterais causados por doses grandes demais

Homeopatia

O que é - Inventada no século 18, é uma especialidade médica no Brasil, mas ainda não foi reconhecida como tal em países com tradição em medicina alternativa, como Canadá e Estados Unidos

O que a ciência acha - Muito utilizada contra doenças crônicas como alergias, asma, rinite e enxaqueca, ainda não comprovou eficiência além do placebo nesses tratamentos. A ciência ignora o modo pelo qual age, mas reconhece alguns resultados. Pode ser o caso mais bem-sucedido de manipulação de placebo

Iridologia

O que é - Os praticantes da técnica afirmam que podem oferecer um diagnóstico físico, psicológico e emocional a partir da análise da íris

O que a ciência acha - Não tem validade científica. A tese de que males físicos se reflitam nos olhos não é absurda. Mas determinar o estado de saúde de alguém tendo como base apenas isso pode gerar diagnósticos incompletos, o que é perigoso

Naturopatia

O que é - Motivada pelos ideais de "volta à natureza", originou-se no século 19 como um fenômeno emocional e espiritual para melhorar a saúde geral do corpo. Prega, entre outras coisas, que alimentos crus são mais bem aproveitados pelo organismo

O que a ciência acha - Muitas das teorias divulgadas pela naturopatia fazem sentido aos ouvidos da ciência. No entanto, ela tende a misturar teorias plausíveis com outras bem menos fáceis de serem assimiladas pela ciência como a sugestão de que prisão de ventre cause auto-intoxicação

Ortomolecular

O que é - Técnica criada por Linus Pauling, Nobel de Química e da Paz, que emprega o uso de vitaminas, aminoácidos e minerais em quantidades superiores àquelas capazes de serem absorvidas pelo corpo. O diagnóstico é feito a partir da análise de um fio de cabelo

O que a ciência acha - Com base em pesquisas, o teste do fio de cabelo foi considerado sem validade científica por órgãos reguladores


Reflexologia

O que é - Propõe que todos os órgãos internos do corpo têm pontos de reflexo no pé, na orelha, no nariz e outras partes. Acredita que a manipulação desses pontos pode melhorar o fluxo de energia e, portanto, curar sintomas em certos órgãos

O que a ciência acha - Há bem poucos estudos rigorosos sobre a técnica e os que existem não demonstram que a reflexologia tenha efeitos terapêuticos específicos

Reiki

O que é - Rei significa "universal" e Ki, "energia". Reiki portanto é a energia do Universo que poderia ser transmitida ao paciente por meio da impostação de mãos do praticante. A terapia vê a doença como um desequilíbrio energético do corpo

O que a ciência acha - Não existe comprovação científica para a ação curativa dessa técnica. Mas a terapia pode trazer benefícios ao reduzir a tensão

Radiestesia

O que é - Baseia-se nas vibrações do Universo, do ambiente e dos seres vivos. Sua prática mais difundida prevê uma sessão de perguntas e respostas a um pêndulo de metal que poderia levar ao diagnóstico de doenças

O que a ciência acha - A idéia de que um diagnóstico médico possa ser oferecido por vibrações do corpo ou do ambiente não faz sentido à luz do conhecimento científico. Não há pesquisas consistentes sobre o assunto

Shiatsu

O que é - Atua nos mesmos pontos que a acupuntura, mas usando apenas a pressão dos dedos

O que a ciência acha - A pressão dos dedos, ao contrário da aplicação de agulhas, não causa a liberação dos neurotransmissores que atuam no sistema nervoso, o que joga dúvidas sobre as possibilidades terapêuticas da técnica. Mas seus efeitos redutores de estresse são reconhecidos

Urinoterapia

O que é - Propõe a manipulação da urina do próprio indivíduo para curar diversas doenças. Tem origem, possivelmente, em rituais hindus criados há 4 mil anos

O que a ciência acha - Não há estudos rigorosos sobre a eficiência da técnica, que recebe críticas de diversos setores da comunidade científica. Não deve, de maneira alguma, substituir tratamento convencional

Para saber mais

Na livraria

O Erro de Descartes - Emoção, Razão e o Cérebro Humano, Antônio Damásio, Companhia das Letras, 1996

Guia Prático da Medicina Alternativa, Steven Bratman, Campus, 1998

Medicinas Alternativas - Os Tratamentos Não Convencionais, Org. Paulo Eiró Gonsalves, Ibrasa, 1996

Medicina Espiritual, Herbert Benson e Marg Stark, Campus, 2003

The Desktop Guide to Complementary and Alternative Medicine, Ernst E., Pittler M.H., Stevinson C., White A.R., Mosby, Reino Unido, 2001

Alternative Healthcare - A Comprehensive Guide, Jack Raso, Prometheus Books, EUA, 1994


Na internet

Relatório do Comitê de Ciência e Tecnologia do Parlamento Inglês, www.parliament.the-stationery-office.co.uk/pa/ld199900/ldselect/ldsctech/123/12301.htm

Site de Steven Bratman, que traz um balanço crítico das pesquisas de eficácia, www.altmedconsult.com

Associação Brasileira de Medicina Complementar, www.medicinacomplementar.com.br
Departamento de Medicina Complementar da Escola Médica Peninsula, www.ex.ac.uk/sshs/compmed/

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