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Ayrton Senna - Entrevista concedida a Veja (25/09/1985), em seu segundo ano na Fórmula 1 - Final


Veja - Não é meio frustrante para o piloto saber que está sendo comandado pelo computador?
SENNA - É meio frustrante sim. Mas com os dados do computador você acaba tendo um controle e um domínio sobre a máquina muito maiores. E ninguém melhor do que o piloto sabe interpretar o que o computador quer dizer.

Veja - A eletrônica não vai diminuir o interesse do piloto pela mecânica?
SENNA - A gente acaba se envolvendo também com a eletrônica, começa a fazer parte dela. Mas, mesmo não sendo piloto profissional, é bom saber como são feitos os carros modernos. Se você tem um carro europeu, uma Mercedes último modelo, por exemplo, e este carro enguiçar na rua, melhor desistir de tentar dar um jeito. Não tem mais aquela de verificar o platinado, a bombinha de gasolina entupida, o distribuidor molhado. Quando pifa a parte eletrônica não tem curioso que ache o defeito.

Veja - Em que você fica pensando nas 2 horas que dura uma corrida?
SENNA - Não penso em nada. A cabeça fica a 1000 por hora, mas absolutamente concentrada na corrida. O piloto fica completamente amarrado dentro do carro, preso pelo abdômen, pernas e braços, controlando a própria respiração. Quanto mais imóvel seu corpo, mais estabilidade terá para dirigir. Na corrida chego ao limite da resistência física e psicológica. Emoção só sinto depois de passar a linha de chegada. E dor também, porque geralmente o corpo fica todo dolorido.

Veja - Com todo o avanço tecnológico, qual o papel reservado ainda para o piloto?
SENNA - Em treinos normalmente instala-se mais de uma dezena de reloginhos no painel do carro e o piloto tem de ficar atento a tudo. Nas provas é um pouco menos, mas ele tem de cuidar também da tática de corrida. Por isso o esgotamento mental depois de uma corrida é maior do que o físico. Durante 2 horas a cabeça não se pode desligar nem por 1 segundo do que está acontecendo na pista e no carro. E tão importante quanto a marcação do painel é a sensibilidade do piloto. É ele que sente e entende os freios, o balanceamento do carro, a aderência dos pneus, as vibrações do chassi, o ruído do motor - parâmetros que variam de acordo com as circunstâncias. Então ele tem de anotar tudo isso no computador de sua cabeça e traduzir para compreender o que está acontecendo.

Veja - Qual é o momento de maior tensão numa corrida?
SENNA - É na largada. Você tem de ficar atento ao sinal luminoso que dá a largada e as outros carros. Você não pode sair mais rápido do que o da frente nem mais lento que o de trás. Com alguma freqüência um carro apaga na hora da saída e você precisa evitá-lo. Além disso o piloto tem de controlar o giro do motor. Se a rotação subir muito, os pneus patinam no mesmo lugar; se baixar, o motor morre. É muito complicado.

Veja - E o medo de bater?
SENNA - As coisas acontecem muito rápido na pista. Mal da tempo, por exemplo, para o piloto ler a placa de informações que a equipe mostra nos boxes. Numa batida não dá para sentir nada. Só depois que o carro pára é que sinto um frio na barriga.

Veja - Onde está a graça em tudo isso?
SENNA - Em guiar o carro. O melhor mesmo é guiar em treinos. É ali que experimento a sensação do limite frear 10 metros depois da entrada da curva e, se o carro resistir, na próxima vez, ir um pouco além, pisar mais forte no acelerador. É nos treinos que sinto o volante nas mãos, a pressão dos pedais. Andar no limite é que dá prazer. Na corrida não dá para fazer isso porque o mais importante é manter a posição, não dá para arriscar uma rodada na curva.

Veja - Como é o dia-a-dia na vida de um piloto de Fórmula 1?
SENNA - Não é tão fascinante como parece. Quase sempre, quando não tem corrida, levanto-me às 5 horas da manhã, viajo 2 horas, treino mais l0, sem tempo nem para comer, e vou dormir à meia-noite. Quando não tenho treino de pista, então preciso cuidar da minha máquina. Aproveito para fazer ginástica de acordo com uma programação feita por Nuno Cobra, professor de Educação Física em São Paulo. Se existe a vantagem de não haver rotina - cada dia estou num lugar, fazendo coisas diferentes -, há também o inconveniente das viagens. O que mais faço na vida é arrumar e desarrumar malas. Chego ao ponto de não suportar mais ver avião.

Veja - Como você enfrentou o problema da paralisia facial que o afetou no início do ano?
SENNA - Foi bom para sentir o quanto somos insignificantes. Por mais que você programe sua vida, a qualquer momento tudo pode mudar. Na época eu tinha acabado de assinar contrato com a Lotus, o passo mais importante da minha carreira, e de repente senti minha profissão acabada. Eu mesmo, como pessoa, me senti balançar.

Veja - E como é o homem Ayrton SENNA?
SENNA - Tive uma infância normal e já de pequeno senti gosto especial pelo esporte - desde bolinha de gude até futebol. Com 4 anos ganhei meu primeiro veículo a motor - um kart construído pelo meu pai. Hoje imagino que seria difícil viver sem guiar carros. Sempre tive todo o apoio da minha família e ainda hoje continuo muito ligado a meus pais e meus irmãos. E faço o que gosto - minha profissão é também o meu lazer.

Veja - Como você procura preservar sua privacidade na Fórmula 1, em que tudo está exposto no máximo?
SENNA - Entendo que existe uma necessidade de cuidar da minha imagem porque o que conta não são apenas os meus interesses - existe também o interesse do patrocinador. Então procuro atender a todos de maneira gentil imprensa, fãs, mecânicos. Tenho uma ótima assessoria que trabalha comigo para construir uma boa imagem. Mas na pista tenho de cuidar de mim mesmo, do carro. Nesses momentos as vezes somos obrigados a tomar atitudes antipáticas.

Veja - Você tem intenção de ir morar em Mônaco, como Piquet?
SENNA - Agora não. Estou tão envolvido no meu trabalho que prefiro ficar na Inglaterra, próximo da minha equipe.

Veja - Você vai correr na África do Sul?
SENNA - Sou contra a situação existente lá e acho que a prova não deveria ser realizada, já por razões de segurança. Se o governo brasileiro baixar uma lei me proibindo de ir lá, essa lei é mais importante do que o meu contrato com a Lotus e vou acatá-la. Antes de tudo eu sou brasileiro.

Veja-Você está satisfeito na Lotus?
SENNA - Ganhei dois Grandes Prêmios, fiz cinco pole-positions, andei mais quilômetros em primeiro lugar do que qualquer outro piloto. Estou contente. Poderia ter sido melhor. Naquela seqüência de corridas inacabadas o Petar Warr, chefe da equipe, me disse: "Tudo bem, nós acreditamos em você e por isso fizemos um contrato de dois anos. O primeiro era para você se encontrar na equipe, aprender, fazer os erros que todo mundo faz. O segundo ano vai ser o seu ano bom". E eu, irritado com os problemas, respondi: "Olha, tem uma correção aí. Este ano já foi o meu ano bom. Se não foi melhor foi porque o carro teve problemas". Mas estou contente porque progredi, desenvolvi meu potencial.

Veja - Sua carreira sempre foi metodicamente programada por você. O ano que vem é o ano do título mundial?
SENNA - Vontade de ser campeão eu já tenho desde agora.

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