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AS LIÇÕES DO MESTRE - PARTE 1




Praça da Paz Celestial, Pequim. O mundo inteiro assiste a cenas de horror. Soldados disparam contra manifestantes. Tanques esmagam corpos. Policiais ateiam fogo na multidão. Estamos em 4 de junho de 1989. Aos olhos do Ocidente, cenas de pura barbárie. Até o momento em que um jovem, sozinho, detém-se ante uma coluna de tanques. Pela lógica ocidental, o que viria a seguir jamais seria exibido em horário nobre na TV. Mas o que acontece surpreende o mundo. Frente ao homem desarmado, os tanques param e recuam. Por que soldados chineses são capazes de atacar sem dó uma multidão, mas cedem diante de um único indivíduo? A resposta pode estar no pensamento moldado por um homem há mais de 20 séculos e que até hoje mantém profundas raízes na cultura oriental: o confucionismo.

Depois de tanto tempo, as teorias de Confúcio (551-479 a.C.), filósofo e educador chinês, ainda permeiam o modo de vida político e social de quase metade do planeta. Em que pesem suas ambições políticas e todas superstições e lendas que rondam sua vida, o fato é que esse chinês barbudo tido por muitos como um santo revolucionou hábitos, sobreviveu a perseguições e, a cada dia que passa, parece estar mais perto da porta da sua casa.

As origens

Se você é adepto de comida chinesa tipo fast food, já deve ter lido aquelas frases que vêm nos biscoitinhos da sorte. E, no mínimo, pensou por dois segundos no que elas queriam dizer. Se é assim, você pode dizer que já ouviu falar em Confúcio. A maioria dessas frases foi retirada dos Analectos, livro com breves afirmações, diálogos e anedotas, compilados por discípulos de Confúcio após sua morte. Pode-se dizer que os Analectos estão para Confúcio assim como os Evangelhos estão para Jesus.

Foram basicamente esses escritos que ao longo dos séculos deram origem ao confucionismo - um conceito escorregadio, meio religião, meio código de ética, com pitadas de ritual social e de filosofia política, que até hoje foge à unanimidade entres seus estudiosos. O fato é que ele agrega tudo isso, podendo ser entendido como um conjunto de normas de comportamento.

Para compreender o que isso significa, é preciso voltar no tempo e entender o contexto em que se criou e se desenvolveu o confucionismo. Quando Confúcio nasceu, a China vivia um verdadeiro caos. O território havia sido fragmentado em um grande número de estados constantemente em guerra. A corrupção permeava todos os níveis de poder e a miséria era grande.

Foi com esse pano de fundo que Confúcio começou a moldar seu pensamento. Ele dizia-se um escolhido do céu com a missão de restaurar o mundo. Para isso, acreditava ser necessária uma reforma política baseada na moral e na ética, única maneira de instaurar a ordem e a justiça no país.

Como para Confúcio a política era uma extensão da ética, ele decidiu elaborar um código de conduta para quem exercesse o poder. "Governo é sinônimo de honestidade. Se um rei for honesto, como alguém ousaria ser desonesto?", costumava dizer. Por essas e outras, os governantes o consideravam um sábio um tanto quanto indigesto.

Em seu código, o filósofo desenvolveu uma de suas teorias mais importantes e que até hoje está presente na tradição política da Ásia oriental: "Um governo é feito de homens e não de leis". Como para ele a legislação era um convite à corrupção, a verdadeira coesão social só seria alcançada a partir da observância dos ritos.

No confucionismo, a palavra "rito" pode ser entendida como bons costumes e hábitos herdados dos ancestrais. Alguns exemplos: honradez entre governantes e súditos; piedade filial (um homem que respeita os pais e os mais velhos dificilmente desafiaria seus superiores); separação de funções entre marido e mulher; compreensão entre anciãos e jovens e fidelidade entre amigos. Era a esses exemplos que Confúcio se referia quando falava que um governo de ritos é preferível a um governo de leis. A força de suas idéias chegou a influenciar até mesmo clássicos do Iluminismo na Europa do século 16: "Quando um povo tem bons costumes, as leis se tornam simples", escreveria Montesquieu. É ou não Confúcio puro?

Apoiado nessa filosofia, o mestre afirmava que somente cavalheiros que possuíssem qualidades morais e éticas, alcançadas por meio de uma rígida educação, poderiam exercer o poder. Assim, nem dinheiro nem tampouco berço seriam passaporte para cargos políticos. Um pensamento incômodo numa época em que os governos passavam de pai para filho havia séculos.

Imbróglios políticos e saias-justas à parte, um ponto específico do pensamento de Confúcio parece ter sido perfeitamente assimilado por países como Japão, Coréia, Cingapura, Taiwan e China, cuja prosperidade pode ser atribuída a um fator extremamente caro a Confúcio: a educação. "Para ele, o cerne da corrupção e da degradação da humanidade estava na falta de educação. Se todas as pessoas, sem nenhum tipo de distinção, fossem educadas, elas entenderiam como viver em harmonia com a natureza e com a sociedade", diz André Bueno, sinólogo (estudioso da China) e professor de filosofia da Universidade Gama Filho (RJ).

Convicto de sua tese, Confúcio passou quase a vida inteira lecionando, procurando formar não apenas futuros governantes, mas toda sorte de gente que estivesse disposta a aprender. "Ele levou a cultura e a educação para fora dos círculos mais nobres e aristocráticos, que até então mantinham um monopólio sobre elas", diz o jornalista Pang Pu, especialista em Confúcio. "A pedagogia confuciana estava à frente de seu tempo: preconizava um ensino aberto a todos, sem diferenciação de origem social. As aulas, por exemplo, eram a céu aberto e seu método levava em conta as aptidões de cada um de seus discípulos", afirma.

O mestre afirmava que o principal não era fazer o aluno desenvolver técnicas, muito menos acumular conhecimento. O importante era desenvolver seu caráter e sua humanidade. Seu objetivo era formar homens de reputação impecável, que, ao se tornarem membros da burocracia estatal, ajudariam a construir o Estado ideal. Era por essas e outras que ele tinha fama de bravo e não admitia alunos tolos em suas turmas. "Se eu indicar o ângulo de um assunto e o aluno for incapaz de perceber os outros três por si mesmo, eu peço que ele vá embora", dizia.

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